quinta-feira, 2 de abril de 2015

Estudante denuncia agressão sofrida por usar adereço religioso

O estudante Heráclito dos Santos Barbosa, 20 anos, denunciou, em carta pública, um caso de violência religiosa sofrido no dia 17 de março de 2015, no Fórum Odilon, na cidade de Santo Amaro, Recôncavo da Bahia. Ele relata que foi expulso do local pelo fato de estar usando um ‘eketê’, adereço utilizado na cabeça por seguidores das religiões de matriz africana.
“Vi que existia um aviso em uma placa informando que é proibida a entrada portando blusa, camiseta, saia, short e boné. Então, falei com o porteiro que eu não poderia tirar meu gorro religioso, pois não se tratava de um boné, mas de um paramento masculino que, segundo nossa cosmovisão religiosa, protege o camutuê/orì/cabeça, enquanto espaço de morada dos nossos ancestrais divinos”, explica o estudante, cujo nome religioso é Tata Luangomina. Ele cursa o Bacharelado em Humanidades na Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab), em São Francisco do Conde-BA.
“Eu disse ao porteiro que eu poderia mostrar o gorro a ele e que não havia nenhuma arma – legal ou ilegal – comigo, muito menos drogas ou câmeras e frisei que era um componente de minha roupa tradicional”.
Mesmo com toda argumentação, o religioso afirma que foi retirado à força, por um sujeito que teria se aproximado, trazendo ordens da juíza para que ele retirasse o “boné” ou deveria se retirar do local. “Nesse instante, pedi para falar com a juíza que havia emitido tal ordem para saber dela o porquê de eu não poder ficar no Fórum usando meu eketê, e para explicar a ela o significado do uso do gorro na minha religião. O senhor que trouxe o recado da juíza foi firme, arrogante e grosseiro nas palavras deles: ‘Você vai sair é agora!’. Neste momento, ele puxou meu gorro da minha cabeça, sem meu consentimento, me pegou pelos braços e pelo pescoço, e saiu me arrastando”, detalha.
Corregedoria – A carta segue ainda revelando uma série de agressões físicas e morais, inclusive os constrangimentos sofridos na tentativa de prestar queixa na delegacia da cidade. Heráclito informou ao Correio Nagô que, nesta terça-feira, 31, esteve na Corregedoria do Tribunal de Justiça da Bahia para prestar queixa e foi ouvido por um juiz responsável pelas comarcas do interior que o recomendou a oficializar a denúncia por meio de carta eletrônica (email) enviado à Corregedoria. “Espero que este ato não fique impune, seja reparado. Não é uma luta de agora. Tenho consciência de que este ato de atrocidade que sofri é parte de uma tentativa histórica de destruir a nossa religião”, destaca.
Ele também procurou ajuda no Centro de Referência Nelson Mandela, da Secretaria Estadual de Promoção da Igualdade Racial da Bahia e recebeu instruções de como denunciar o caso. “Segundo o Estatuto da Igualdade Racial da Bahia, essa situação por mim vivida provocou ‘danos morais, materiais ou imateriais, e atenta contra os símbolos e valores das religiões afro-brasileiras, ou seja, capaz de fomentar ódio religioso ou menosprezo às religiões e seus adeptos”. Realmente fui agredido física e verbalmente”.
Educação – jovem afirma que sempre foi aceito em órgãos públicos, a exemplo do Fórum de Valença, cidade do Baixo Sul onde nasceu e onde está localizado o Terreiro Caxuté, liderado pela mãe de Heráclito, a sacerdotisa Mãe Bárbara. Na comunidade religiosa foi implantado, em 2005, a primeira Escola de Religião e Cultura de Matriz Africana do Baixo Sul Da Bahia – Escola Caxuté. “É um espaço de educação não formal, onde as aulas são conversas sobre as nossas tradições culturais e religiosas feitas em rodas embaixo de árvores, na beira do rio, na estrada”, destaca.
Além de ser Tata Kinsaba (pai responsável por cuidar das folhas sagradas), ele recebeu de sua comunidade religiosa o título de Kutala, referente à sua possível herança como líder do terreiro. “Esse ato de segregação não ocorreu apenas para comigo, mas para com todos os seguidores do candomblé. Estou em terra de negros que lutam por uma religiosidade afirmativa longe da violência e da discriminação”, finaliza.
Da redação do Correio Nagô

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