por Jamile Amine
Foto: Jamile Amine
O cantor, ator e percussionista baiano Kal dos Santos vive na Itália desde 1990 e, há 14 anos, divulga a cultura baiana na Europa, através do “Arrastão de Yemanja”. Em 2015 o evento será realizado neste domingo (24), e, como nas edições anteriores, levará às ruas de Milão o culto à rainha do mar, originalmente celebrado em Salvador no dia 2 de fevereiro. A ideia de remontar a tradicional festa baiana no velho continente veio com muita naturalidade. “Sempre tive essa coisa da cultura. Minha mãe era mãe de Santo, sou crescido no terreiro do Candomblé, não quero catequisar ninguém, mas a ideia é trazer a cultura de forma respeitosa. Aqui não tem gente fazendo de conta que dá Santo, religião é uma coisa séria, não vejo nenhum padre no meio da rua fazendo esse tipo de coisa, então porque o Candomblé tem que ser avacalhado? Então, Há 14 anos saio com essa coisa. Na primeira vez que eu decidi ir pra rua os brasileiros diziam que era loucura, mas eu segui. Aqui não tem mar, mas tem o Naviglio [sistema de canais que atravessa a cidade], então pensei ‘tá bonito, vou trazer pra cá’”, conta Kal.
Cortejo parte de Porta Genova e segue até Naviglio, ponto turístico de Milão / Foto: Jamile Amine
A não equivalência da data com a festa celebrada no Brasil tem um motivo muito simples, é que no hemisfério norte o inverno é rigoroso, em fevereiro, e dificultaria um cortejo pelas ruas cobertas de neve e com baixas temperaturas. O percurso do Arrastão começa em Porta Genova e segue por um dos mais belos pontos turísticos Milaneses: o Naviglio. E a novidade para este ano é que o evento será aberto com uma sessão de sopros, além das tradicionais manifestações de capoeira, dança, samba de roda e percussão. Mas as atividades culturais, que culminam no cortejo, já começaram na última sexta-feira (22), com um seminário de percussão, e seguiram no sábado (23) com um seminário de dança afro-brasileira e o projeto “Le Donne in Canto”, com vários concertos onde as mulheres têm destaque e executam o que Kal chama de “música universal com base brasileira”.
Confira vídeo de edição anterior do cortejo:
Apesar da tradição que leva mais de uma década, o artista destaca as dificuldades de manter o evento, que tem pouca adesão da comunidade brasileira e apoio financeiro insuficiente. “Tenho que segurar a onda sozinho para organizar tudo. Tem gente de outra parte da Itália que vem, mas outras que trabalham comigo em outros projetos não têm mais interesse em fazer esse tipo de coisa. Até o último momento a gente não sabe quem vem, no final funciona, mas é uma loucura, uma tensão da zorra. Até as camisas eu estampo em casa. Parei até de fazer a comida típica que eu costumava fazer para integrar as pessoas, isso para eu poder me liberar, senão não fica uma loucura”, conta Kal dos Santos, que há três anos conseguiu o apoio da prefeitura de Milão, e não tem mais que pagar uma taxa pelo “serviço de ordem”, para que policiais acompanhem o cortejo e garantam a segurança. Para 2015, através desta parceria ele conseguiu garantir também 700 euros com o representante do Conselho de Zona, que ainda não foram pagos, mas servirão para cobrir algumas despesas, como o deslocamento de parceiros.
A polícia local acompanha o cortejo para garantir a segurança durante o evento / Foto: Jamile Amine
Apesar das dificuldades, ele não pretende deixar de celebrar a cultura brasileira no velho mundo. “Acredito nessa coisa. Neguinho gosta de oba-oba, se você faz brega, pega na bundinha, aí vem, mas minha trajetória é mais longa, é a coisa que acredito, nunca fiz isso no Brasil. Mas a cultura não morre. Italianos dizem que quando veem que eu estou organizando algo, participam de olhos fechados porque sabem que tem qualidade. E é legal que tem italianos que depois de ver o Arrastão decidem visitar a Bahia para conhecer a manifestação original”, diz Kal dos Santos, que desde 1991 está à frente da Associação Cultural Mitoka Samba, orquestra de percussão afro-brasileira que promove a difusão da cultura através de projetos como laboratório de percussão e de criação de instrumentos musicais. Mas a festa para Yemanja não é a única manifestação típica brasileira lembrada por Kal. Nos seus 25 anos de Itália, o baiano já celebrou o dia do Índio, a abolição da escravatura, Zumbi dos Palmares e várias outras datas do calendário cultural do Brasil. Mas, com a dificuldade de encontrar apoio para realizar tantos eventos, decidiu manter apenas algumas datas consideradas por ele realmente muito importantes, como Yemanja e São João. “Continuo na luta. Há 17 anos faço festa junina com quadrilha, comida típica”, conta Kal dos Santos, que mal concluiu o Arrastão e já começa os preparativos para o São João.
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