domingo, 24 de maio de 2015

De traço em traço, cartunistas baianos lutam pelo renascimento da cultura dos quadrinhos

por Bruna Castelo Branco
De traço em traço, cartunistas baianos lutam pelo renascimento da cultura dos quadrinhos
Foto: O Pobre Cartunista
Em 22 de janeiro de 1808, D. João VI e a família real portuguesa aportaram em Salvador, a então capital do Brasil. Mais tarde, preocupado com a imagem pública, D. Pedro II incentivou o trabalho dos desenhistas baianos, que comentavam a política através de caricaturas nos mais de 50 periódicos humorísticos que surgiram em 1880, preservando a máxima: “falem bem ou falem mal, mas falem de mim”. E assim nasceu a cultura de quadrinhos e cartuns na Bahia. Porém, a realidade atual dos cartunistas baianos hoje é diferente. De acordo com o estudioso em quadrinhos, Gutemberg Cruz, autor de dois livros na área (Feras do Humor Baiano e Traço dos Mestres), falta incentivo político para o trabalho, além da falta de interesse e espaço nos veículos de imprensa. Segundo ele, a política nacional não abre editais para desenhistas porque “os cartunistas desvendam os mistérios dos governantes”. “Há editais apenas para fotografia, artes plásticas, cinema e teatro. O poder de formar a opinião pública dos desenhistas é muito grande, há uma importância política na imagem”, avalia. Em relação aos veículos de imprensa, Gutemberg comenta sobre a atual falta de espaço para ilustrações nos jornais impressos. “Hoje temos apenas três jornais impressos em Salvador, e só um dá espaço para o cartum. Sempre brigamos para conseguir esse espaço”, conta. Se a situação na capital está ruim, no interior do estado, segundo Gutemberg, está muito pior: “Se não há espaço em Salvador, imagine no interior?”.
 

Gutemberg Cruz, estudioso em quadrinhos / Foto: Blog do Gutemberg
 
Mesmo nesse cenário, cartunistas do interior da Bahia insistem em investir no ramo. Foi o que contou o morador de Vitória da Conquista, Gil Brito, desenhista desde criança que decidiu cursar jornalismo para se aproximar mais da área. Após uma parceria com a revista Caros Amigos, Gil hoje mantem um blog autônomo para publicar seus desenhos. “Viver exclusivamente como cartunista é difícil. Preciso de uma renda fixa, por isso trabalho como jornalista. O cartum acaba complementando a renda, e o trabalho jornalístico ajuda na produção dos desenhos”, explica. Para Gil, a causa da escassez do trabalho do cartunista está diretamente ligada à própria escassez do jornalismo impresso que, em algumas cidades baianas, não existe mais. “Esse seguimento da imprensa praticamente não existe. No meio online há mais possibilidades, mas ainda assim é difícil publicar na mídia”, comenta.
 
Capa assinada por Gil Brito na revista Caros Amigos / Foto: Blog do Anderson(Clique para ampliar)
 
Também de Vitória da Conquista, Lujan Custodio, o “Pobre Cartunista”, desistiu de seu emprego num banco para se dedicar exclusivamente ao cartum. Divulga seu trabalho através de uma página no Facebook e um blog, mas até então não conseguiu publicar em um veículo de comunicação. “É difícil entrar, as portas são mais fechadas para quem ainda é desconhecido. Não sei se não há interesse ou se o espaço já está ocupado por outros cartunistas”, explica. O desenhista partiu para a internet por ser o meio mais rápido e barato de divulgação: “é uma coisa que eu posso gerenciar, a minha é meta publicar. Quero trabalhar 24h por dia com isso. Por enquanto ganho muito pouco, mas ainda não estou muito preocupado com isso”. Mesmo com as dificuldades, o pobre cartunista não pretende desistir e de procurar formas de se manter com o desenho: “faço ilustrações para uma revista de hugby e design para uma empresa de jogos. Eu sei que é um risco, mas caso eu consiga publicar em jornais e revistas, vai ser um sonho de infância realizado. Decidi me arriscar”.
 

Ilustração do Pobre Cartunista (Clique para ampliar)

Mesmo com um mercado difícil, não é impossível conseguir visibilidade com a arte gráfica na Bahia. O chargista Alexandre Melo, conhecido como Borega, publica na imprensa em Feira de Santana e em Salvador. Ainda na faculdade de jornalismo, Borega iniciou uma parceria com o jornal Feira Hoje. Com o fechamento da redação, o desenhista foi convidado para publicar no jornal semanal Tribuna Feirense. Porém, como os colegas de vocação, não consegue se manter apenas de desenho: “Não posso dizer que estou vivendo só com isso”.
 

Charge do Borega (Clique para ampliar)

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